Qual a diferença entre fee-for-service, pay for performance, pagamento por pacote, entre outros, e agora o mais recente fee-for-value?
Pra quem acompanha as várias discussões sobre reformas na saúde suplementar no Brasil e nos EUA, deve escutar muitos os termos fee-for-service, pay for performance (P4P), pagamento por pacote (bundled payments), entre outros, e agora o mais recente fee-for-value.
Esses termos por vezes se misturam, mas vão fazer cada vez mais parte das discussões, principalmente entre os dois pagadores mais importantes do sistema de saúde: o governo e os convênios.
Os convênios (a “saúde suplementar”) naturalmente estão sendo os primeiros a adotar essas mudanças no Brasil, como apresentou o Sérgio Ricardo, presidente da One Health da Amil, e colunista do Empreender Saúde, no final desse artigo, mas essas mudanças devem ocorrer no médio prazo em todas as esferas de pagamento da saúde.
E por que essas mudanças são necessárias? Porque o sistema atual é perverso, simples assim. Um sistema de doença,
não de saúde. Pra explicar isso, vamos aos termos:
Fee-for-service (pagamento por serviço):
Imagina um restaurante, em que você entra, pede o couvert, pede o prato principal, o suco, a sobremesa e no final recebe a conta. Esse é o atual modelo, o fee-for-service. O paciente é atendido no pronto socorro, o médico pede um raio-X, faz medicamentos, interna o paciente, faz antibióticos e outros exames, e no final manda a conta pro convênio ou para o governo, no sistema “conta aberta”.
Esse é um modelo econômico que chamo de perverso pois o hospital e o médico “ganham mais” quanto mais o paciente fica doente, e não quanto mais ele fica saudável. Eu não quero acreditar que qualquer médico ou hospital vai fazer exames ou medicações desnecessárias só pra ganhar dinheiro, mas eu já vi acontecer (e ainda prefiro não acreditar na frase “pode internar que o hospital está vazio hoje”).
Bundled payments (Pagamentos por pacote):
Tentando mudar um pouco esse cenário de “conta aberta” da saúde suplementar e do sistema público, criou-se o “conta fechada” ou pacote, em que todos os procedimentos e exames necessários à realização de uma colecistectomia, por exemplo (a retirada da vesícula biliar), são agrupados, precificados e é definido um preço em cima, por exemplo, R$ 20.000,00 por uma colecistectomia, que inclua desde o preço da internação hospitalar, o pagamento dos honorários médicos, os equipamentos médicos envolvidos etc. Como quando você compra um tratamento em um spa no final de semana e sabe tudo o que vai fazer e pagar, ou uma viagem de férias comprada numa empresa de turismo.
Em alguns lugares como a França, os hospitais oferecem inclusive garantias por esse procedimento, por exemplo,
6 meses de garantia da colecistectomia caso haja alguma complicação no pós-operatório tardio. Você pode ver que os
“convênios públicos” Medicare e Medicaid nos EUA estão agora começando a adotar os pagamentos por pacote. Já realizei
há alguns anos um trabalho semelhante na saúde suplementar no Brasil, mas não soube notícias das sua implementação.
ARTIGO:Leia os últimos artigos do Sérgio Ricardo, presidente da One Health, da Amil.
As dificuldades desse sistema é que são necessárias métricas diferentes para diferentes pacientes, por exemplo, uma colecistectomia em um paciente de 20 anos não pode custar a mesma coisa do que uma colecistectomia em um paciente de 60 anos pelo maior risco de complicações. E o mesmo procedimento em um paciente de 60 anos sem comorbidades não é mesma coisa que uma cirurgia em um paciente com hipertensão, DPOC e/ou diabetes. Essas complexidades da medicina dificultam a definição do preço final e das outras condições do “pacote”, e assim, tornam incerta essa negociação entre os hospitais e a saúde suplementar, que paga a conta.
P4P (Pagamento por performance)
Em paralelo, foi criado um outro sistema que levasse em consideração a competência dos médicos e dos prestadores (hospitais, laboratórios etc), pagando por meritocracia. É um sistema muito comum na Inglaterra, por exemplo, em que um médico da família fica responsável por um grupo de pacientes, e quanto melhor estiver a saúde dessa população mais o médico ganha e vice-versa. Diversos fatores tem que ser considerados aqui, e esse foi um dos modelos mais modernos e aclamados de pagamento nos últimos anos.
Esse modelo também foi adotado em alguns lugares com algumas diferenças com o nome de capitation, de “per capita” em que o médico ou o provedor de saúde recebe uma quantia fixa por paciente e tem que fazer o melhor possível para o cuidado desse paciente. O que consegue realizar de prevenção, economiza em atendimento e fica com a diferença. Se não cuida bem da sua população, tem que gastar mais com internações e complicações e acaba lucrando menos.
Fee-For-Value (Resolutividade ou Pagamento por valor ao paciente) Mesmo antes do pagamento por performance ser aplicado e discutido, ele mudou de nome e o resultado final, ou resolutividade, como foi traduzido na saúde suplementar do Brasil, virou o foco da discussão. Kaiser Permanente e UnitedHealth, respectivamente o maior provedor e o maior pagador de saúde dos Estados Unidos, tem defendido essa bandeira, e enquanto escrevia esse artigo fiquei sabendo que os convênios no Brasil indiretamente já estão mostrando preocupação com isso também.
Mas o que é resolutividade / fee-for-value, afinal?
É um sistema de pagamento que visa estimular a colaboração entre os players com pagamentos baseados em resultados para os pacientes. Já sabemos que um diagnóstico correto feito hoje pode economizar muitos gastos com tratamentos no futuro, e como quem paga esses tratamento é o convênio, é exatamente esse diagnóstico e tratamento precoce corretos que ele quer premiar.
Encontrei esse documento de 2012 da UnitedHealth explicando para seus usuários que estava começando a utilizar
o Fee-for-Value e pedindo a compreensão e participação dos mesmos no programa piloto. De acordo com a UnitedHealth nesse artigo, e nesse outro artigo recente, em 2012 a porcentagem de contratos no modelo fee-for-value em 2012 era de 1-2%, hoje é de 20-30%, e deverá ser de 60-70% até o final de 2015. Para uma empresa de US$ 120 bilhões de dólares de faturamento em 2013, sendo um das 15 maiores empresas do mundo, e a maior de saúde, esses movimentos significam mudanças significativas para o funcionamento dos sistemas de saúde no mundo todo.
Esse mesmo documento explica para o paciente de maneira bem básica que o Fee-For-Value ou resolutividade
é um método de contrato que pode ocorrer de duas formas:
Uma parte do salário do profissional é ligado à sua performance em medidas de qualidade e custo-efetividade.
Se o profissional atingir as metas recebe um bônus, se não não recebe. Os profissionais e organizações podem receber pela adoção de tecnologia que melhorem a assistência e reduzam custos (para a saúde suplementar ou para o sistema como um todo?) A UnitedHealth ainda dá a pista de quais práticas tem tido maior sucesso nesse contexto:
Práticas em que os profissionais são de fatos responsáveis pelo resultados dos pacientes;
Criação de times avançados de cuidado que incluam enfermeiras e farmacêuticos;
Processos automatizados com foco em prevenção e bem-estar;
De acordo com o site Advisory.com, a UnitedHealth está avaliando os hospitais em critérios de taxas de readmissão hospitalares, taxas de mortalidade para certas doenças, taxas de infecções hospitalares e satisfação do paciente. E os médicos de acordo com números de visitas dos pacientes aos pronto socorros, taxa de internação e screenings preventivos. Qual a velocidade em que tais medidas serão implementadas no Brasil? Quais serão os players a adotar primeiro? Que impactos culturais diferentes dos EUA essas medidas terão nos médicos e nos gestores? Conseguirá a UnitedHealth aplicar essas medidas na Amil na velocidade que fez na própria United? Cenas dos próximos capítulos.
https://www.saudebusiness.com/mercado/o-que-fee-value-afinal